Parceria. Conflito. Vozes múltiplas. Quem deve mexer a colher nessa panela? Inicialmente, somos dois cozinheiros para uma cozinha só. É preciso dialogar com gentileza. Entender o gosto do outro. O desejo pelo prato, o peso da mão. Não há muito tempo para refogar. Algumas vontades são impostas. Escolhemos os ingredientes: Vide Bula e Take 1. Elaboramos a receita com carinho e presa. Muita presa. Pra que surja algo, para que a gente não perca o ponto. O ensaio, a sala, o cronograma. Objetivamos. Definimos passo a passo. O que vem antes do que. É preciso planejamento, mesmo sabendo, que no ato de cozinhar o impulso conduz mais que a receita. Abertura, Boal, Paulo Freire. Como exigir que o outro entenda os meus comandos? É importante está aberto. Os atores têm vontades próprias. É difícil amassar a massa, é difícil ser amassado. Somos uma grande família com gostos peculiares. Diferencial, múltiplo. Como transformar a pluralidade em um apetitoso prato? O que cada um quer adicionar no caldeirão? Entender limite do outro ou pedir que esse rompa de qualquer maneira? Regar tudo com sensibilidade. Compromisso com a verdade. Não com as bocas que vão devorar o novo produto cultural. O que importa é o melhor que posso dar de mim, mesmo que num primeiro momento eu não entenda de forma clara o que os cozinheiros querem. Abertura, pra poder deliciar o prato.
Receita 1 – Vide Bula
Inquietação: Qual é o seu remédio?
Percebemos que no texto Vide Bula, a autora trabalha com a idéia de que o amor seria remédio eficaz para dores cotidianas. Travamos uma discussão sobre os mecanismos de fuga que utilizamos para sobreviver à realidade. A partir disso, pedimos para as atrizes que trouxessem objetos que representavam remédios para suas dores cotidianas. O exercício pedia que a intérprete escancarasse as suas defesas e se apropriasse do tema discutido. Conhaque, maconha, travesseiro. Qual a espécie de droga para que te mantém sóbrio? Propomos que as atrizes vendessem o seu remédio com o texto Vide Bula. Ao assistir o primeiro resultado, percebemos que as cenas eram interessante e politicamente incorretas. As atrizes vendiam fugas em doses homeopáticas. O sentido do texto estava ali, mas de uma forma multiplicada e pessoal. O contraste de palavra, objeto e ação. O conflito gera um estranhamento interessante. Acreditamos que essas cenas podem permear todo espetáculo. Talvez um púlpito, uma mesa de bar. Um local que caracterize um espaço para que o intérprete venda a sua fuga.
Receita 2 – Vide Bula (continuação)
Inquietação: Desperte o evangélico. Convença.
Também através de Vide Bula, percebemos que o texto tinha um caráter impositivo e moralista. Tivemos a idéia de transformar o texto em uma música gospel. De forma que os intérpretes cantassem e dançassem. A idéia é trabalhar com gradação e com a idéia de grupo. Muitas vozes. Coro. E transformação de cena. Ainda não sabemos como isso vai ser feito. Essa cena foi apenas idealizada e ainda não teve uma experimentação significativa.
Receita 3 - Take Um.
Já num primeiro momento, tivemos a idéia de misturar dois textos para a construção dessa segunda cena. Em Take Um, a autora define uma série de ações que a personagem realiza antes de sair de casa. É um texto que apresenta essa mulher e suas ações cotidianas. Espaço privado. Mas também relata as ruas dessa cidade. O local que a trama se passa. O segundo texto discute Brasília. Cita lugares característicos da cidade. Fala bastante de um espaço público desabitado. Da amplitude. Para trabalhar o primeiro texto, definimos um circuito de ações. As atrizes deviam realizá-las. Não havia uma ordem para essas ações, porém todas as ações deviam ser realizadas. Sorteamos números para que cada atriz tivesse um grau de intensidade. Esses números não eram compartilhados. Era um grau velado. Houve um crescente nessas ações. Márcio descobriu uma boa função de vídeomaker. As atrizes têm formas bastante peculiares para realizar as mesmas ações. Os músicos dialogavam com essas atrizes na experimentação. O resultado ficou muito interessante. Quanto o segundo texto, a idéia original é projetar imagens de ruas brasilienses desertas, pés femininos que caminham nesses espaços. E o texto deve ser exibido na tela ou falado em off.
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