Poéticas Urbanas foi contemplado como projeto especial apoiado pelo Fundo de Arte e Cultura da Sec. de Cultura do GDF e prevê: oficinas gratuitas de poesia falada nos bairros do Distrito Federal; publicação do livro Entreaberta composto por textos do blog de Patrícia Del Rey; e estudos de performances feitos pela companhia para transformar em imagens o universo existente nos textos da atriz , que em sua maioria falam da cidade Brasília e da figura feminina.

Este estudo foi ensaido nas quadras do Plano Piloto em busca de intimidade com o concreto, com as janelas e com os passantes. O trabalho ainda em processo, são poesias vertidas em pequenas cenas de transição em uma linguagem mista de teatro e performance.
Não contaremos uma estória, contaremos passos pelas ruas da cidade.

FICHA TÉCNICA:


Concepção: Andaime Cia de Teatro
Direção: Tatiana Bittar e Márcio Menezes
Intérpretes: Ana Luiza Bellacosta, Kamala Ramers, Larissa Mauro, Márcio Menezes, Patrícia Del Rey e Tatiana Bittar
Músicos: Lucas Ferrari e Marília Carvalho
Vídeo Projeção: Hieronimus do Vale

Luz: Zizi Antunes
Direção de Arte: Roustang Carrilho
Design Gráfico: Maíra Zannon Ilha Design
Fotos: Diego Bresani
Assessoria de Imprensa: Bruno Mendonça
Produção: Andaime Cia de Teatro e Tainá Lacerda

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Vó Alaranjada

Ela tem um gênio do cão. Um gênio do cão e um tumor no cérebro. Um tumor do tamanho de uma laranja foi o que o médico disse nessa terça feira de manhã. o mais estranho é que desde pequena, eu conheci laranjas de todos os tamanhos. E pra ser bem sincera, isso me dá um pouco de medo. um pouco não, muito medo. Na verdade, me parece invasivo demais, pensar que alguém resolveu, de uma hora pra outra, abrir a cabeça dela para colher uma simples fruta. Será que a laranja já está madura pra ser arrancada do pé? Será que ela não vai sentir falta daquela companhia secreta? Será que os pensamentos ainda vão ter o gosto cítrico? Ela sempre foi a minha cara. Quer dizer, eu que sempre fui a cara dela. todo mundo fala. o jeito de andar, de escrever, de levar a vida. Desde pequena, minha mãe já falava. Não sei se foi por isso, ou pelo acaso do destino, que me deram o mesmo nome que o dela: Lúcia. Significa luz. Mas não uma luz qualquer. Lúcia é uma luz bonita, mesclada, suave e forte ao mesmo tempo. A luz ideal. Pele morena, cabelos com cachos grisalhos e um sorriso apaixonado. Lembro das nossas tardes. Ela contando dos amores que teve, de como conheceu “ele” no festival de cinema da década de 50, de como era difícil uma mulher trabalhar fora naquele tempo. Nós temos os mesmos signos, só que ao inverso. Ela é libra ascendente peixe,
e eu peixes ascendente libra. Ah, e lógico. Ela agora tem uma laranja a mais também. uma laranja que vai ser retirada do pomar daqui a duas semanas. Eu ainda não tenho laranja, nem morango, nem maracujá. Só tenho meu amor por ela mesmo. Quando eu era pequena, a coisa que eu mais desejava na minha vida era correr para os braços e para a casa dela. Lá tudo era permitido! Tinha gato, cachorro, papagaio. A gente podia ser o que quisesse, brincar do que quisesse, se vestir do que quisesse. Só não podia comer o que quisesse A comida de lá, era ruim. Ela me obrigava tomar sopas horrorosas. Eu fingia que tomava, joga fora, sofria na hora da mesa... Mas mesmo assim, valia à pena agüentar a sopa pra ficar do seu lado. De noite, subíamos para o terraço e olhávamos as estrelas, e ela contava de quando quase foi abduzida por um disco voador. Acho que é por isso que eu morro de vontade de ser abduzida até hoje. Depois, quando íamos dormir, ela limpava os nossos pés com um paninho molhado. E o melhor, ela sempre me deixava dormir com um gato. Minha mãe odiava gatos, dizia que eu tinha alergia, mas nunca tive isso quando dormia com o gato na cama dela. Acho que a cama da minha vó era antialérgica. Acho que a cama dela era antialérgica. Bom, depois o tempo passou. E veio a adolescência, e eu continuava a correr para os braços dela. Ela fazia cada fantasia de carnaval! Cada ano, um bloco diferente. Melindrosas, diabas, onçinhas. Nem todos os confetes do mundo, poderiam expressar a minha alegria de passar o carnaval com ela. Ai depois, o tempo passou de novo. Uma adulta que se especializou em correr para os braços dela. Quando eu chego perto dela, tenho vontade de ficar abraçada o dia inteiro. De falar de teatro, de sonhos, de astrologia. De ver como ela é moderna mesmo tendo nascido nos anos 30. “Moderna demais”- a minha mãe fala. E agora essa: inventar de criar laranja na cabeça. Vê se pode? Mas tudo bem. Nada de ruim acontece com ela. Nem comigo. Somos Lúcia. E Lúcia significa luz. Quer saber? Eu tenho certeza que daqui a duas semanas, estaremos todos tomando suco de laranja em pleno carnaval, bem do jeito que ela gosta. 

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